Ensaio sobre Portugal à rasca

No dia 12 de Março de 2011, uma manifestação organizada por três jovens através das redes sociais teve uma adesão histórica por parte da população, fazendo lembrar a manifestação da maioria silenciosa em 1974 após o 25 de Abril. Segundo dados não oficiais estiveram presentes 200.000 pessoas em Lisboa e 80.000 no Porto. Independentemente dos números, quem teve oportunidade de lá estar ou assistir às imagens das transmissões televisivas pode constatar que a massa humana ultrapassava em muito as tradicionais manifestações dos sindicatos, um sinal claro da população sente que esta entregue a si própria depois da classe politica a seguir à revolução do 25 de Abril, não ter conseguido proporcionar um conceito de sociedade ao nosso país.

Os motivos que originaram a realização da manifestação estão relacionados com a precariedade do mercado de trabalho que os jovens enfrentam e com a falta de oportunidade para o exercício de uma profissão. Contudo muito mais pessoas para além dos jovens engrossaram a manifestação: pais preocupados com o futuro dos filhos e com o seu próprio futuro, idosos cuja protecção social quase que desapareceu, pessoas que foram enganadas por instituições bancárias no seguimento da crise financeira de 2008, fascistas e anarquistas.

O actual governo do PS encontra-se a implementar um conjunto de medidas para impedir que tenhamos de pedir ajuda financeira à União Europeia e ao FMI. Estas medidas vão sendo postas em prática não por convicção do governo, mas por imposição dos organismos internacionais por forma a que se chegue a um número do défice das contas públicas com o qual o governo se comprometeu. Se calhar por causa disso os mercados financeiros, que não acreditam nas medidas continuam a exigir um aumento dos juros para emissão de dívida publica, que neste momento estão nos 8%, contribuindo para uma situação insustentável a médio prazo, tendo em atenção que Portugal não tem recursos suficientes para pagar os juros. O Governo não actua na causa, actua no efeito.

O governo do PS tem perseguido opções de aumento dos impostos, redução dos salários dos funcionários públicos, prevendo-se de seguida uma redução dos valores das pensões entre outras malfeitorias. Apesar da propaganda que o governo tem emitido, não se tem visto nenhum esforço para redução da despesa do estado, pelo que fica claro que a opção tem sido resolver o problema à custa do aumento de receita via aumento de impostos e redução dos custos com o pessoal através de corte nos salários.

Portugal teve a má sorte de ter uma classe política que nunca conseguiu definir um modelo de funcionamento para o país bem como não ter conseguido educar a população.

Alguns exemplos:

  • Portugal tem uma fobia, ou como dizia o Economist um fetiche com obras públicas, especialmente infra-estruturas rodoviárias. O nosso país que nem tinha na década de 80 uma auto-estrada que ligava as duas principais cidades do país, passou a ter uma rede de auto-estradas fantasma, sem viabilidade financeira e ainda por cima alguns dos itinerários não são objecto de pagamento de portagem. Um dos argumentos para a construção da rede viária era aproximar as populações do interior com o litoral, combater a desertificação e simultaneamente promover o crescimento económico, mas o aconteceu foi precisamente o contrário. Outro dia em Viseu, a população ameaçada com a introdução de portagens da A25 e pela escalada dos preços dos combustíveis pretendia o regresso do comboio, outrora um meio lento e ultrapassado mas agora desejado face ao aumento dos custos de utilização dos meios rodoviários. Para azar dos Visienses no actual contexto de congelamento de obras publicas, não vai haver restabelecimento da linha de comboio, mas se não tivéssemos essa imposição, daqui a 4 anos o próximo primeiro ministro estaria a inaugurar a obra que ia de encontro ao apelo da população. O Estado gasta o nosso dinheiro de acordo com os gritos das populações e do loby das construtoras, a população agradece e retribui com o voto, esquecendo-se que este tipo de opções contribuíram para termos chegado a esta situação.
  • Os governos sempre trabalharam para ir de encontro às estatísticas europeias em detrimento de efectuar escolhas iriam resolver os problemas do país. A necessidade de fomentar fornadas de licenciados, mestres e doutorados para colmatar o défice estatístico, levou a facilitar o acesso e saídas dos alunos das universidades e numa segunda fase a abrir e manter cursos com saída profissional duvidosa. Sempre com o eterno problema do principio da constituição em que o Estado tem de garantir acesso ao ensino, nunca se actuou de forma dinâmica por forma a restringir o acesso a cursos em que o mercado de trabalho não consegue absorver os licenciados. Actualmente é frequente ouvir dizer que as pessoas tiraram um curso e não conseguem ingressar no mercado de trabalho ou então estão a desempenhar uma função muito abaixo das aspirações de carreira. Aqui existem duas responsabilidades, a primeira do Estado que "engana" os estudantes criando-lhes uma ilusão de um posto de trabalho alinhado com o conhecimento aprendido, deixando-os frequentar cursos sem qualquer esperança de colocação no mercado de trabalho, mas fundamentalmente é da responsabilidade dos alunos que ao candidatar-se a cursos como letras, física, engenharia das florestas e do meio ambiente são inconscientes ao ponto de pensar que um diploma nas áreas atrás referidas não os faz escapar ao mercado dos call centers. Outro dia, salvo erro,  uma das pessoas que estava por detrás da organização da manifestação de 12 de Março, dizia que tinha tirado um curso de design industrial e não conseguia emprego. Em Portugal não existe mercado de trabalho, pelo que antes da pessoa ter sido apanhada pela paixão de ser designer e se tinha o forte propósito de trabalhar no nosso país, deveria ter reflectido onde no mundo existe procura por esse tipo de profissões, pelo que agora se realmente pretender exercer essa profissão, o melhor e procurar oportunidades na Alemanha.

  • O peso e o despesismo do Estado nunca diminuiu. Hoje é patente que as pessoas se aperceberam que existe um conjunto de pessoas que tiram partido dos cargos e da influência que trabalhar no universo do Estado lhes proporciona. Mas também é verdade que só agora é que acordaram para esta realidade, porque à medida que foram sendo despojadas ou privadas de determinado nível de vida, olham para o lado e comparam o nível de vida de hoje com o que já tiveram anteriormente. É bom recordar que na década de 90 a banca facilitou de forma pornográfica o acesso ao crédito, numa altura em que os Portugueses vinham de uma década de esforço e antes em que tudo lhes era privado, viram de um momento para outro a possibilidade de acompanhar ou imitar o mesmo nível de vida dos cidadãos europeus. O problema não reside no facto das pessoas se terem endividado. A questão é que o rendimento das pessoas não acompanhou o valor das despesas. Quando uma das canções que deu o mote à manifestação, "Parva que sou" afirma que os jovens estão tristes porque continuam em casa dos pais, sem nunca ter conseguido emprego e com o carro por pagar é sintomático sobre a natureza dos padrões que se incutiram na cabeça das pessoas.
  • O Estado ao querer sempre assegurar acesso ao mercado de trabalho, tornou-se no maior empregador, nunca tendo criado hábitos para as pessoas procurarem emprego em empresas privadas ou tornarem-se empreendedores (algo que nunca foi e continua a não ser ensinado nas escolas). O próprio Estado criou um conjunto de mecanismos de protecção que fez muito apetecível trabalhar em organismos estatais: impossibilidade de ser despedido por mais desqualificado ou erros que as pessoas façam (pedir a demissão ou ser demitido não significa ficar sem emprego, significa que deixa de exercer determinadas funções e passará  a executar outra coisa qualquer); regalias (mais férias que as restantes pessoas, mais protecção social), tráfico de influencias. Hoje as despesas com salários e pensões constituem aproximadamente 75% dos custos do Estado.
  • O Estado que sempre gostou de se proteger a si próprio e zelar pelos interesses dos que lá trabalham, nunca teve vontade de efectuar nenhuma reforma profunda como por exemplo no sistema autárquico ou nos organismos do estado. Apesar de estar a racionalizar a prestação de serviços de saúde e educação básica, através do encerramento de centros de saúde e escolas, nunca efectuou nenhuma conducente a um maior nível de eficiência. Voltando um pouco atrás é incompreensível que as populações se manifestem pelo encerramento dos centros de saúde, quando agora na maior parte dos casos têm acesso directo a grandes centros de prestação de cuidados de saúde, acessíveis a partir de melhor rede de estradas Europa, outrora distantes a mais de duas horas de caminho. Neste dias volta-se a falar da regionalização, mas deveria-se era falar do reordenamento das autarquias e dos organismos do estado. Mas como infelizmente em algumas regiões são os serviços camarários e as empresas municipais os maiores empregadores dos concelhos e isso garante-lhes poder através do voto e do tráfico de influências e interesse, não existe vontade, antes pelo contrário, de efectuar qualquer reestruturação.
  • As leis do trabalho estão totalmente desfasas com a realidade necessária a criar competitividade nas empresas. Por um lado permite-se que pessoas com uma posição de trabalho efectivo, continuem a trabalhar como trabalhador independente, sem qualquer protecção social, ao sabor da pressão da empresa que os vinculou e dos aumentos dos impostos. É importante referir que uma pessoa que passe um recibo verde com um valor bruto de 500,00 € leva para casa um valor liquido aproximado de 305,00 €  depois de pagar todos os impostos e contribuições, mas por outro lado permite-se que existam leis que impedem as empresas de tornar mais flexível o seu relacionamento com os trabalhadores. É também importante referir que num país como o nosso existe um único bom exemplo como a Auto Europa como exemplo da necessidade de adaptarmos as nossas leis laborais.
  • O nosso país sempre sofreu de um problema crónico de eficiência (se calhar contaminados pelo mau exemplo do Estado). Números publicados muito recentemente pelo INE indicam que em valor médio, do cabaz de despesas de um individuo é inferior ao salário auferido. As nossas empresas nunca foram excitadas, orientadas a percorrer um caminho de internacionalização, a conseguirem colocar produtos lá foram em pé de igualdade com os outros países. Os fundos que foram despejados na ânsia de aumentar a produtividade das empresas trouxeram os resultados que se conhecem. As empresas foram educadas a "gastar" os fundos sem qualquer resultado prático. Há uns 4 anos atrás empresas Alemãs colocavam electrodomésticos nos Estados Unidos mais baratos e tecnologicamente mais evoluídos, fabricados na Alemanha com mão-de-obra mais cara do que a Mexicana ou Chinesa das marcas Americanas. O truque? Eficiência. Conseguir espremer mais de uma linha de produção, conseguir aplicar melhor o conhecimento de engenharia de produto. Como em Portugal os estabelecimentos de ensino nunca estiveram orientados à aplicação do conhecimento no mercado de trabalho e 90% das nossas empresas privadas são familiares em que os gestores não detêm conhecimento suficiente para gerirem as empresas pelas quais são responsáveis, é impossível qualquer aumento de salários ao longo dos anos devido ao factor de improdutividade que se instalou.
  • Algumas das apostas em vectores para o crescimento económico tiveram resultados desastrosos: o já referido da construção civil assim como turismo. que emprega mão-de-obra sazonal e desqualificada. O que aconteceu com os trabalhadores da Groundforce é o exemplo provado do que dá apostar no turismo.

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