Para memória futura

Porque não quero que o meu país se torne no Brasil de Collor de Melo, publico o despacho do procurador de Aveiro sobre o caso face oculta, onde é referido que existem fortes indícios de crime de atentando contra o estado de direito.

Fonte:  Jornal Sol.

"Nas intercepções telefónicas autorizadas e validadas neste inquérito, em diversas conversações surgiram indícios da prática de outros crimes para além dos directamente em investigação nos autos, tendo sido decidido genericamente que se aguardaria pelo desenvolvimento da investigação com vista a garantir o máximo de sigilo e eficácia, excepto se as situações decorrentes destes conhecimentos, pela sua gravidade e circunstâncias, exigissem o desenvolvimento de diligências de investigação autónomas que impusessem a imediata extracção de certidão.

Sucede que do teor das conversações interceptadas aos alvos Paulo Penedos e Armando Vara resultam fortes indícios da existência de um plano em que está directamente envolvido o Governo para interferência no sector da comunicação social visando o afastamento de jornalistas incómodos e o controlo dos meios de comunicação social, nomeadamente o afastamento da jornalista Manuela Moura Guedes, da TVI, o afastamento do marido desta e o controlo da comunicação do grupo TVI, bem como a aquisição do jornal Público com o mesmo objectivo e, por último, mas apenas em consequência das necessidades de negócio, a aquisição do grupo Cofina, proprietário do Correio da Manhã.

Face ao disposto nos artigos 2.º e 38.º n.º4 da Constituição da República Portuguesa, art.º 10.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e artigos 4.º e 6.º da Lei da Televisão (Lei 27/2007 de 30 de Julho), que a seguir se transcrevem, o envolvimento de decisores políticos do mais alto nível neste «esquema» (expressão empregue por Armando Vara em 21-06-2009) de interferência na orientação editorial de órgãos de comunicação social considerados adversos, visando claramente a obtenção de benefícios eleitorais, atinge o cerne do Estado de Direito Democrático e indicia a prática do crime de atentado contra o Estado de direito, previsto e punido no artigo 9.º da Lei 34/87 de 16 de Julho – Crimes da Responsabilidade dos Titulares de Cargos Políticos.

Encontram-se preenchidos os dois critérios acima referidos relativos à necessidade de autonomização da investigação, a saber, o da gravidade do ilícito e o de as circunstâncias imporem a realização de diligências de investigação autónomas (diligências que pela sua natureza não possam ser proteladas).
A gravidade do ilícito que na essência consiste na execução de um plano governamental para controlo dos meios de comunicação social visando limitar as liberdades de expressão e informação a fim de condicionar a expressão eleitoral através de uma rede instalada nas grandes empresas e no sistema bancário (referida nas intercepções como composta pelos «nossos»), não se detendo perante a necessidade da prática de outros ilícitos instrumentais – nomeadamente, a circunstância de do negócio poderem resultar prejuízos económicos para a PT (prejuízos que previsivelmente seriam ‘pagos’ com favores do Estado ou no mínimo colocariam os decisores políticos na dependência dos decisores económicos) ou, na 1.ª versão do negócio, a prestação de informações falsas às autoridades de supervisão, Autoridade da Concorrência, CMVM (Comissão do Mercado de Valores Mobiliários) e ERCS (Entidade Reguladora para a Comunicação Social), ou mesmo através da manipulação do mercado bolsista (variação das acções da Impresa) – traduz-se numa corrupção dos fundamentos do Estado de Direito Democrático, o que é reconhecido pelos próprios intervenientes.

Como resulta da Constituição da República, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e da lei não é possível construir um Estado de Direito democrático sem meios de comunicação social livres das interferências e dos poderes políticos e económicos.
No que concerne à necessidade de diligência de investigação autónoma, esta decorre da premência da realização de diligências para esclarecimento do «esquema» relativo ao Público/Nuno Vasconcelos/Impresa e Cofina/Correio da Manhã, e à identificação de todos os participantes no «esquema» da TVI, diligências que a não serem realizadas de imediato poderão levar a perdas irremediáveis para a actividade de aquisição da prova, sendo certo que existem indicações que o «esquema»TVI poderá estar concluído até à próxima quinta-feira.

Face à multiplicidade e gravidade das suspeitas, existe a obrigação legal de proceder à correspondente investigação, não podendo a mesma, como vimos, aguardar para momento ulterior a sua autonomização.
O problema da partilha dos alvos que impõe uma estreita colaboração entre as duas investigações e os problemas da segurança e eficácia das investigações podem ser fortemente atenuados se ambas as investigações forem atribuídas ao núcleo da PJ que agora as executa (o que me parece essencial para garantir o êxito das investigações) e se ao nível do Ministério Público existir um entrosamento entre as equipas de direcção da investigação.

Para o efeito, e junta que seja a certidão e cópias dos suportes técnicos que a seguir se referem, será todo o expediente remetido em mão para superior apresentação e instauração do competente procedimento criminal. 

Para autonomização da investigação, nos termos do art.º 187.º n.º1, 7 e 8 do Código de Processo Penal requeiro a extracção de cópia da totalidade das gravações relativas aos alvos, dos correspondentes relatórios e dos doutos despachos judiciais relativos à autorização, manutenção e cessação das intercepções telefónicas."

Aveiro, 23/06/2009
João Marques Vidal

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